21/10/2017 às 07h08min - Atualizada em 21/10/2017 às 07h08min

Desabafo

Por Gabriela Aguiar

Portal Corrente
Gabriela Aguiar

           Hoje, as pessoas costumam dizer que eu sou uma mulher forte e equilibrada. Mas elas não sabem de algumas coisas que eu passei até chegar a esse ponto. Meus textos geralmente são sobre outras pessoas, mas esse é um relato sobre mim.

           Eu devia ter uns 12 ou 13 anos, estava passando por aquela fase horrível da adolescência, na qual os hormônios entram em um colapso raivoso. Meu rosto era cheio de espinhas e meu cabelo (nem liso, nem cacheado), apesar de pouco, ficava alto. Não era um incômodo para mim, mas não sei porque era para os meus colegas.

           Na época, me colocaram o apelido de chapéu. Eu ODIAVA. Até hoje detesto quando alguém se lembra disso, não por conta do apelido, mas porque isso me machucava muito.

           Éramos todos crianças, entrando na pré-adolescência. Todo mundo recebia um “apelidinho”. Algumas pessoas pareciam não se importar, outras demonstravam que não gostavam. A brincadeira deixa de ser brincadeira, a partir de um momento que uma das pessoas envolvidas não gosta do que está acontecendo. Mas acontece que muitas vezes que está ferindo não percebe.

           Era uma coisa quase diária. Eu não esqueço nunca de quando me paravam na escada para perguntar se eu não tinha escova de cabelo em casa, se  eu não podia amarrar meu cabelo. Diziam que iam me dar shampoo e condicionador. Uma vez me disseram que eu seria até bonita se meu cabelo fosse de outro jeito...

           Meu cabelo nunca tinha me incomodado. Depois disso eu comecei a achar que ele era realmente feio. E cada palavrinha ia me machucando com tanta força. Eu nunca falei nada para os meus pais, achava que era besteira e que meus coleguinhas estavam realmente certos.

          Mudei de cidade. Mudei de escola. Na escola nova, logo me deram um apelido de miojo. Uma vez, uma menina de outra sala, me parou no corredor para me dizer que eu era muito legal, mas meu cabelo era muito feio. Voltei para casa chorando nesse dia.

          Eu, que já era tímida, comecei a andar me escorando nas paredes. Não sentia vontade de sair na hora do recreio. Não olhava para as pessoas. Só olhava para o chão. Sentia vergonha de mim.

          Tudo isso misturado com o processo de adaptação na nova cidade só piorou. Foi uma época muito difícil para mim. Eu ainda não tinha feito amigos, não me sentia à vontade para conversar com ninguém. Agora, meu problema não eram só os cabelos feios, eu me sentia mal comigo. Minha autoestima era inexistente. Eu me sentia feia, burra e só.

           Minha avó aguentava meu choro quase todos os dias. Eu não tinha coragem de falar para os meus pais, eles tinham me mandado para outra cidade com muito esforço. Não queria decepcioná-los. É claro que eles sabiam que alguma coisa estava errada (pais tem um sexto sentido absurdo), mas eu não dizia o que era. Eu precisava de alguma maneira ser forte.

           O ano de 2006 foi horrível para mim. Eu não conseguia lidar com todo o turbilhão que eu sentia por dentro. E, para piorar mais ainda, no final do ano a minha família teve uma perda trágica. As coisas já não faziam muito sentido para mim.

           Mas Deus é sempre bom. No ano seguinte, eu comecei a fazer novos amigos. Amigos que sempre faziam questão de ver algo bom em mim. Mesmo quando eu queria me esconder de todo mundo, eles sempre estavam comigo. E estão até hoje.

           Com o tempo e o amadurecimento, eu fui ficando mais forte. Escrever também ajudava com que eu me sentisse melhor. Eu já não me importava tanto com o que as pessoas achavam de mim. Eu escolhi me importar com quem se preocupava comigo. Aprendi que eu era melhor do que o julgamento que as outras pessoas faziam de mim.

           O diálogo ajuda e eu errei muito ao guardar por tanto as coisas que me machucavam só para mim. Conversem, vocês não têm noção do quanto isso ajuda. Buscar orientação é essencial.

           É claro tenho muitos pontos fracos e me sinto para baixo em alguns dias. Mas isso é normal, não é mesmo? É uma questão de enfrentar e saber lidar. Ninguém é feliz o tempo todo e ninguém deve ser triste o tempo todo.

           É por isso que estou me expondo desta maneira, para quem sabe, poder ajudar alguém que esteja precisando ler isso. Como disse Jean Paul Sartre: “ Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.

           Ainda tomo liberdade para fazer um apelo: pais, prestem atenção na maneira em que os seus filhos estão tratando os coleguinhas. O que eu descrevi aqui não é nada comparado a agressões psicológicas que muitas crianças sofrem diariamente. Muita gente acha que bullying é besteira, mas não é. E isso pode trazer sequelas para o resto da vida.

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