João bateu à porta. Eu sabia que era ele. Conhecia sua impaciência e a firmeza do seu pulso. Não esperava que viesse, não esperava que estivesse ali naquele momento. Principalmente quando um dilúvio ameaçava varrer a cidade do mapa. Exagero, eu sei. Mas a chuva não dava trégua.
Não sabia se fazia prosa
Não sabia se fazia poesia
Não sabia se doía na alma
Ou se compunha uma melodia
Cansei desses olhos tristes
Eu não sabia se escrevia
Numa proeza de sinergia
Eu via que tudo morria
Levam lágrimas na brisa
Não aguentava mais aquela agonia
Uma vilania do destino
Em nada poderia interferir
Fecharia os olhos em zelo
Ficaria de joelhos em apelo
Juntaria as mãos em prece
Acreditaria no caminho que merece
Nessa poeira imunda
Ao fundo, bem raso, de uma alma profunda
Com sóis, girassóis, lençóis
Numa estrada inteira sem nós
Nesse ínterim sucumbir ao pecado
De ser eternamente odiado
Ao céu, ao umbral, ao diabo!
Um inferno completo idolatrado
Abri a porta. Ouvi todas as promessas. As já quebradas e as recentemente juradas. Deixei que entrasse, se acomodasse e se empossasse. Era dele, de fato. Mesmo com os erros mais esdrúxulos de quem sempre acertava. A chuva acalentou. O abraço acalmou. A vida voltava a rodar nos trilhos de ferro. O coração cantava.
Me diga que vai ficar tudo bem
Que nós dois juntos enfrentamos um trem
Construindo uma vida repleta
Enquanto dure, completa
Permanecendo ao lado
Calado, colado, amado
Em situações atrozes
Inconstâncias velozes
Em termos findando brigas
Suprindo infiéis intrigas
De uma normalidade abstrata
No pouco da palavra sensata
Estabilizou-se um certo momento
Onde a calmaria calou o tormento
Rangidos esparsos de sorriso
De passos nunca oprimidos
No sempre triunfal
De um falso paraíso astral
A gama da cruel felicidade
Doava agora uma doce realidade
Gabriela Castro Lima Aguiar