22/03/2014 às 13h30min - Atualizada em 22/03/2014 às 13h30min

Dia Mundial da Água: Há mais de 50 anos Dr. Hélio Paranaguá já alertava para cuidados na região

Depoimento dado no Seminário com a SEMAR

Portal Corrente

No dia 11 de março foi realizado, no município de Corrente, um Seminário para a discussão sobre a Gestão dos Recursos Hídricos na Bacia do Gurgueia, promovido pela SEMAR, onde diversos participantes puderam fazer questionamentos e sugestões. O Dr. Hélio Paranaguá, pecuarista bem sucedido e atual Secretário de Desenvolvimento Rural do município prestou um depoimento eloquente, onde relatou parte de sua luta, iniciada no ano de 1957, que já incluía a preocupação com a questão ambiental, especialmente a água.

Neste dia 22 de março, Dia Mundial da Água, o Portal Corrente reproduz este depoimento que serve de exemplo todos.

 “Em primeiro lugar, eu gostaria de saudar o Secretário Dalton Macambira, por ele ter vindo até aqui, pois é muito difícil um gestor vir de “lá”, de  900 km, para ouvir, debater e procurar encontrar soluções para os problemas da nossa região.

Em 1957, quando cheguei aqui, eu tinha uma preocupação e um projeto de trabalho, que era a recuperação econômica dessa região, em cima da pecuária bovina de corte e os problemas foram estudados com muita dedicação durante os anos de universidade. A dedicação foi tão forte que eu renunciei à uma convocação para o Panamericano do México para vir fazer pesquisa aqui no Piauí. Me chamaram de doido, maluco, mas era a ação de um sentimento, porque aos cinco anos de idade eu comecei a me identificar com as nascentes e com os rios Gurguéia, Corrente, Paraim e Parnaíba. No meu íntimo estavam os fatores que estrangulavam o desenvolvimento da região e um deles era a água. Naquela época, água. Cheguei aqui,  não com pretensões políticas, embora muita gente achasse que eu iria enveredar por este caminho. Eu comecei a trabalhar, e só trabalhar, sem dar conversa a comentários. Imediatamente, alguns companheiros da comunidade constataram o problema, que foi identificado por nós e que pelo qual, quando meninos,  fomos muito gozados, e até agredidos, pois o meu pai já fazia a defesa das águas, das nascentes, do combate ao fogo. Então eu já vinha de uma formação cultural, de combater essas agressões ao meio ambiente e defender o recurso natural, que era a água, pois sem água não vai nada pra frente. E o nosso rebanho estava sendo estrangulado, nosso e de toda a região,  e impedido de crescer, por um problema sério, que era a água. E foi feito logo no começo, em 1958, uma comissão, e eu fiz parte dela. Uma comissão para analisar a situação dos rios, preservar as nascentes, verificar as situações dos brejos, os cortes que haviam sido feitos no rio para desviar a água, etc., e os companheiros eram o Cândido Guerra e Hamilton Pacheco. Quando nós começamos a atuar com eficiência, nos tiraram o tapete. Os políticos, o prefeito, junto com os assessores, que não eram de nada. Um prefeito que lá ficava, sem informação, sem identificação com os problemas, sem o cheiro do povo. Nós então começamos a quebrar gaiolas, começamos a quebrar barreiras de corte de rio e de brejos. E aí começaram as retaliações, que não vinham pra gente, mas iam para o prefeito e para os políticos. Tiraram o nosso tapete. O que podíamos fazer? Nada. Cruzamos os braços.

Mas essa comunidade cresceu e hoje atingiu uma maturidade suficiente para discutir o seu problema e mudar o seu destino. Cresceu na marra, sentindo os problemas. Boi bravo, aqui na região, se pegava cercando a água e ele tinha que obedecer, não tinha conversa. Então nós fomos bois bravos e fomos apanhados pela seca, pelo dono das águas.

Hoje nós temos o problema e nós temos a discussão. Precisamos atuar, mas é atuar com eficiência, não é só fiscalizar não, é punir esses bandidos que ficam desmoralizando o poder público, cercando água, tirando água, desmatando os brejos, colocando fogo, causando poluição e aquela alteração no meio ambiente. Para tudo isso tem que ter punição. Botou fogo? Pegou quem foi? Vai atrás dele! Pune! Prende! Não se tranca o bandido que estupra? Que rouba? Por que é que não tranca quem põe fogo num brejo, numa cabeceira de rio, quem faz coisas dessa natureza. É preciso que haja punição!

Proteção contra o fogo, além de Corrente e Parnaguá, quais municípios têm esse programa?  E os outros, não querem combater o fogo? Não querem por que? Porque tem que capacitar gente, tem que viabilizar alguma coisa de recursos. Temos que mobilizar os municípios, todos dentro desta região, para que se qualifiquem com gente capaz de atuar nas ocasiões do fogo!

Peço desculpas ao Secretário, mas é um assunto pelo qual lutei minha vida inteira.

Nós temos aqui na região uma estrutura de pesca. Eu não sei quantos pescadores tem cadastrados, nem sei se são só pescadores no papel e na verdade são tomadores de cerveja no boteco no fim de semana. O governo entrega um documento para o pescador e ele durante o período da piracema recebe um salário e não pesca coisa nenhuma. E quando vai pescar, ele chama os companheiros, leva meia dúzia de litros de pinga, abrem as propriedades particulares e vão pescar lá e quando são flagrados, denunciam para os órgãos lá em cima e eles vêm para punir o dono da propriedade e não o pescador que a invadiu.

Nós temos caçadores aqui no município de Corrente que são empresários, comerciantes, etc, e que no fim de semana viram caçadores profissionais. Gente consciente, que tem padrão de vida e que resolvem, com uma coceira desgraçada, apertar o  gatilho para matar o pobre do animal que faz parte do meio ambiente, que tem sua vida e que tem sua parte dentro daquele contexto biológico. Nós tomamos conhecimento e não denunciamos por que? Porque ele não vai ter punição. E o pessoal lá no meio rural sabe, recebe essa gente, mata galinha para eles comerem e depois irem pescar, subir na árvore à noite e atirar, ser responsável pelo início de um incêndio, causado pela fagulha de um tiro.

Então nós temos muitos problemas que essa comissão vai ter que encarar, com sangue no olho, para punir, fiscalizar e para despertar, na comunidade, a consciência de que nós temos que lutar pelo meio ambiente, pela sua estrutura, senão daqui a pouco a vaca nem pro brejo vai mais, porque ele já secou! Muito obrigado!”


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