24/06/2015 às 13h57min - Atualizada em 24/06/2015 às 13h57min

Máfia do empréstimo consignado é denunciada pelo Ministério Público. Participação de mais um advogado foi constatada.

Promotor de justiça Rômulo Cordão concede entrevista e explica o modus operandi na organização criminosa

Portal Corrente; Edição: Viviane Setragni

O Ministério Público do Estado do Piauí, através do Promotor de Justiça Rômulo Cordão, denunciou nesta segunda-feira (24) seis advogados e um coiote, acusados de participar de uma associação criminosa no município de Corrente, extremo sul do estado, para obtenção de valores através de fraudes em empréstimos consignados.

As vítimas, em sua maioria absoluta analfabetos, eram induzidos pelos advogados a entrarem na justiça contra as instituições financeiras e ali dava-se o início do processo fraudulento, como explica o próprio promotor em entrevista ao repórter Cristiano Setragni, do Portal Corrente, concedida na manhã de segunda-feira, 23 de junho.

 

Como teve início a investigação e qual era a forma de proceder da associação criminosa?

As investigações tiveram início a partir de denúncias feitas pelas próprias vítimas. Segundo os depoimentos, as pessoas envolvidas prometiam cancelar, ou anular empréstimos contraídos pelos aposentados e que mensalmente eram descontados de sua renda. As justificativas utilizadas eram várias; em uma delas eles alegavam que a presidente Dilma estaria devolvendo o dinheiro aos aposentados porque os juros que estavam sendo cobrados seriam extorsivos; outra justificativa era de que muitos aposentados estavam sem dinheiro para comer nem para comprar remédios e por isso o Governo Federal estaria devolvendo os valores.

Como em sua maioria eram pessoas analfabetas, ou seja, pessoas vulneráveis, elas acreditavam em histórias absurdas como essas e vinham para Corrente trazidas por esses coiotes. Estes iam para o interior com esse objetivo, o de garimpar essas pessoas que ao chegarem aqui eram orientadas a assinar documentos somente com o polegar, na maioria das vezes sem conhecer o teor dos papéis e na realidade o que estavam fazendo era adquirir novos empréstimos, ao invés de cancelá-los. Para realizar a primeira transação, para descobrir se o aposentado tinha margem consignável, o coiote mandava um de seus secretários acompanhar o aposentado junto à Previdência.

Quando o valor do empréstimo contraído chegava, eles chamavam o aposentado e diziam que o Governo Federal já estava devolvendo o dinheiro e ali já pedia a sua parte dos honorários pelo seu trabalho prestado. E o aposentado saía feliz, mas quando passava um ou dois meses dava-se conta de que, além de não ter o seu empréstimo cancelado, tinha na verdade adquirido outro. Esse era um dos modus operandis.

Depois de ter feito o empréstimo, era prometido ao aposentado que seria anulado na justiça, que o empréstimo teria sido feito sem a anuência do aposentado e através dos advogados entravam com ações no Juizado Especial para cancelar o empréstimo.

 

Então houve aposentados que foram lesados duas vezes?

Muitas vezes até três, porque eles ganhavam a ação na justiça, o banco não tinha tempo para contestar ou não tinha mais os documentos referentes aos empréstimos, pois eram de 3 ou 4 anos. Então os aposentados ganhavam R$ 20 mil reais na justiça, só que recebiam somente R$ 2 mil deste valor, já que uma secretária do coiote ou os próprios acusados acompanhavam o aposentado no banco e ali mesmo entregavam o valor à vítima. Alguns desconfiavam, iam até o Juizado Especial e descobriam que o valor era muito maior do que tinham recebido.

 

Quantos acusados foram denunciados?

Ao todo foram sete. Seis que já estavam sendo investigados e um sétimo, advogado, que entrou na denúncia agora, já que depois que foi feita a operação foram encontrados muitos documentos em relação à ele e nos depoimentos houve muita menção à este advogado. Ao ser chamado para ser ouvido não conseguiu se justificar.

 

Quantas pessoas foram lesadas no esquema?

Na denúncia constam 76 vítimas para serem ouvidas, mas esse número é muito maior porque teve muita gente que foi lesada e que não procurou o Ministério Público ou a delegacia; outros que ainda não tomaram conhecimento da fraude, outras que tomaram mas que têm medo. Na verdade podem ser milhares, somente de Cristalândia do Piauí vinha uma van todos os dias lotada, de segunda a sexta, trazida pelo Márcio (coiote).

 

Quantos processos referentes a empréstimos consignados tramitam hoje no Juizado Especial da Comarca de Corrente?

Ao todo tramitam 5.600 processos no Juizado Especial, destes 4.900, 85%, são referentes a cancelamento de empréstimos consignados.

 

Qual é o argumento utilizado pela organização criminosa nos processos de anulamento?

Eles alegavam que os analfabetos não poderiam ter contraído os empréstimos, mas a lei não especifica isso, pois o fato da pessoa ser analfabeta não significa que ela seja incapaz, ela pode  comprar ou vender bens imóveis, ou um carro, por exemplo. Então o mote utilizado pelos advogados para pedir a anulação dos empréstimos era de que seus clientes eram analfabetos e não que não tinham requerido os empréstimos.

 

Além dos aposentados, quem mais foi vítima da organização?

Os próprios bancos que tiveram que pagar por algo ilícito. Quando o banco era condenado, tinha que pagar mesmo. Então as instituições foram lesadas, e muito!

 

Dentre os aposentados lesados, alguns já entraram com ação contra a organização para reaver o seu dinheiro subtraído pela mesma?

Sim, mas foi feito individual, através de um processo criminal.

 

Há quanto tempo a investigação acontece?

Oficialmente ela foi instaurada há um ano e se tornou “Serendipta” porque inicialmente investigávamos a questão dos empréstimos e através das medidas investigativas descobriram-se outros crimes. Serendipta significa justamente quando você está procurando por alguma coisa e encontra algo muito maior, que pode ser muito mais valioso do que aquilo que se procurava.

Dentre os acusados, um está sendo por crime de patrocínio infiel, pois um dos advogados que trabalhava para os bancos procurava ações contra os próprios bancos que ele trabalhava e procurava outro advogado para peticionar pelas “vítimas” e os aposentados chegavam a acreditar que o seu advogado era ele e na hora da audiência descobriam que na verdade ele era advogado do banco e o colega advogado, que aparecia de “paraquedas”, que eles nunca tinham visto, era o que os representaria na audiência.

Também foram denunciados por associação criminosa, estelionato, lavagem de dinheiro, pois movimentou muito dinheiro que certamente foi aplicado para transforma-lo de dinheiro ilícito para bens e maquiar a origem, por isso foi pedido a quebra de sigilo bancário, que já foi feita e está na fase de análise, e o coiote também foi denunciado por falsidade ideológica, pois atribuiu a si falsa identidade dizendo que era advogado.

 

Nessa quebra de sigilo, já ficou constatada o valor arrecadado com as fraudes?

Ainda está em fase de investigação, pois é um processo muito detalhado, mas para se ter ideia somente na casa do coiote, que nunca foi advogado, foram encontrados 89 alvarás judiciais que somados chegam ao valor de R$ 1.100.000,00 (Um milhão e cem mil reais).

 

O que é um alvará judicial?

É o documento pelo qual o juiz informa à pessoa que há uma quantia depositada no banco e com esse documento ela pode ir ao banco sacar este valor. Normalmente quem saca o dinheiro é a própria pessoa beneficiada, mas sabe-se que muitas vezes eles mandavam  um secretário junto, que traziam o dinheiro até o escritório e ali faziam a divisão. Não é descartada a hipótese de que os próprios acusados fizessem o saque no banco, dependendo da procuração.

 

O fenômeno de 5.000 mil processos no Juizado Especial da Comarca parece estar em vias de ser desvelado. Em matéria publicada há cerca de dois anos pelo Portal Corrente, já constavam 3.800 processos na Comarca somente referente a empréstimos consignados, sem que ninguém soubesse dar uma explicação lógica para o fato. Sabe-se apenas, na data de hoje, que o número de entrada destes processos no Juizado Especial caiu vertiginosamente.

O Promotor finaliza informando que as investigações terão continuidade e que mais participantes da associação criminosa serão revelados.


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