14/04/2016 às 09h08min - Atualizada em 14/04/2016 às 09h08min

Deficiente visual ministra palestra para acadêmicos da UESPI de Corrente

Eliane, estudante da rede pública de ensino, contou os desafios que enfrenta no dia a dia e falou sobre os objetivos que pretende conquistar

Viviane Setragni
Portal Corrente
Eliane explicou aos acadêmicos o sistema de escrita em braile

Os acadêmicos do 7º período do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da UESPI, Campus Dep. Jesualdo Cavalcanti, tiveram uma aula especial nesta quarta-feira (13), com a participação da deficiente visual Eliane. A aula foi ministrada dentro da disciplina de Educação Especial, sob responsabilidade da professora Cleide Dias de Souza.

Eliane iniciou a palestra contando a sua história, relatando como a deficiência visual entrou na sua vida e o impacto que sofreu com a mudança. “Eu nasci com deficiência visual e após uma cirurgia, ainda bem criança, pude enxergar. Tive uma infância normal, fui à escola e quase aprendi a ler. Mas por causa do glaucoma, uma doença congênita, perdi um dos meus olhos e, aos 9 anos, por causa das fortes dores de cabeça, o médico recomendou que eu parasse de estudar. Entrei em desespero, porque eu queria muito estudar. Infelizmente, alguns anos depois, a retina do meu olho esquerdo descolou e, devido à má assistência médica e o tempo que demorou para fazerem a cirurgia, 7 meses, eu o perdi também”, lamenta.

Sem a visão, Eliane afirma que entrou em depressão. “Chorei por muito tempo, porque eu queria estudar, queria crescer, queria ter uma vida normal. Eu nunca perdi a esperança, sempre rezei muito, mas sofri por muito tempo”.

Quando conheceu a professora Cleide por acaso, na igreja, a vida de Eliane começou a mudar. “Ela se ofereceu pra me ensinar a ler em braile, de graça, porque sabia que eu não tinha condições. A partir daí a minha vida mudou”.

Não satisfeita com os novos estudos que iniciou, Eliane matriculou-se na rede pública de ensino. “Eu queria ser respeitada como alguém!”, reforça. No começo, ela relata que os colegas de classe quase não falavam com ela. “Apenas uma menina me ajudou no começo e nós ficamos muito amigas. Aos poucos a turma foi perdendo o medo e hoje todos são meus amigos”.


Eliane demonstrou aos estudantes como escrever em braile
 

Empenhada, Eliane participa ativamente das aulas, realiza provas orais e até escreve. “Na primeira vez que eu fiz um trabalho, com muito custo, o professor não acreditou. Tive que escrever na frente da turma toda”, conta divertida.

Eliane tem o sonho de fazer faculdade, mas reconhece obstáculos que precisará enfrentar para realizar o seu sonho. “Nós não temos recurso, a professora Cleide me dá aulas de graça; é graças a isso que eu tenho uma chance. Eu acredito em Deus e peço muito a ele para que me ajude a conquistar os meus objetivos e tenho certeza que serei atendida”.

Quanto à realidade que enfrenta e o preconceito diário, ela desabafa. “Nós pagamos muitos impostos e deveríamos ter os nossos direitos reconhecidos. A pessoa com deficiência é como outra pessoa qualquer, apenas tem uma necessidade diferente. Eu gostaria muito, por exemplo, de poder caminhar nas ruas de Corrente e até poderia, pois eu conheço a cidade como a palma da minha mão. Mas eu não tenho coragem, não temos nem calçada para poder caminhar, uma vez eu e a professora quase fomos atropeladas. Os empresários e as pessoas de Corrente precisam entender que tem muitas pessoas deficientes morando aqui e que nós precisamos ser respeitados como cidadãos!”.

Apesar das dificuldades, Eliane não desanima e ainda inspira a todos com as suas palavras. “Tudo o que você quiser ser, você pode, acredite. O que perdemos hoje ganhamos amanhã, às vezes de outra forma. Eu sou capaz, um deficiente é capaz. Eu sou feliz, não por ser cega, mas porque acredito em Deus e porque tenho perto de mim a minha família, meus amigos e porque tenho objetivos no meu coração”.

Aos futuros pedagogos, Eliane pede: “Estudem braile, estudem libras, se aprofundem na Educação Especial, porque um dia alguém vai precisar de vocês. Tudo o que eu conquistei eu devo à professora que me ajuda há três anos e vocês também podem fazer a diferença na vida de alguém”.

A professora Cleide, que trabalhou com Educação Especial durante seis anos na cidade de Palmas/TO, afirma que se sente satisfeita em poder ministrar a disciplina na universidade. “Eu tinha necessidade de passar esse conhecimento e quando pude finalmente ministrar aula aqui na UESPI fiquei muito feliz. A Educação Especial precisa ser ensinada aos educadores para garantir que as crianças sejam bem recebidas nas escolas e tenham uma educação de fato inclusiva”, reforça.

Quanto à sua aluna, Cleide declara que contribuir para o seu crescimento não tem preço. “Se eu fosse cobrar o mínimo eu sei que ela não teria condições, por isso faço de graça. Começamos com o material mínimo necessário, que eu ganhei de uma amiga de Palmas, e hoje, apesar das dificuldades, ela consegue progredir, pois é muito persistente. Nosso próximo passo será a aquisição de um computador adaptado para ela, com software específico para deficientes visuais, que será doado por particulares. Eu ainda vou capacitar a Eliane para trabalhar com o programa Mecdaisy, específico para deficientes visuais. Não tenho dúvidas que ela vai conseguir realizar seu sonho de cursar o curso superior de Administração!”, afirma orgulhosa.

A Educação Especial inclusiva é um direito garantido pela Constituição Federal, no artigo 208, e pela Lei de Diretrizes e Bases Nacional (LDBEN) 9.394/96, em seus artigos 58, 59 e 60. Além disso, o Decreto nº 5296/2004, da Presidência da República, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação.


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