14/09/2013 às 14h17min - Atualizada em 14/09/2013 às 14h17min

CRISTALÂNDIA: Como é a vida de uma cidade que vive sem água

População cansada luta por mudança de uma situação histórica

Portal Corrente

   A  população do município de Cristalândia resolveu dar um basta à situação indigna a que é submetida todos os anos, quando inicia a época de seca. Desde o mês de junho,quando a intensidade  das chuvas diminuem drasticamente nesta região do estado do Piauí, os munícipes sofrem com a suspensão do serviço de fornecimento de água, pode-se assim dizer, já que 90% dos moradores da zona urbana ficam literalmente sem água.

Mas o que é mais intrigante é que as contas de fornecimento de água  da empresa Agespisa, responsável pelo serviço, continuam chegando, com valores delirantes, sem que o serviço seja fornecido, sendo que aos consumidores não é sequer dada a chance de questionar o consumo cobrado nas faturas. Há cerca de um ano uma promotora chegou a ordenar que se suspendesse a cobrança do serviço, segundo um servidor da própria Agespisa, mas voltou atrás logo em seguida, alegando que os consumidores seriam ressarcidos assim que as irregularidades fossem sanadas.

Dona Zeta, proprietária de um restaurante, afirma que recebeu uma conta de água de R$ 120 reais, sendo que a água consumida jamais custaria este valor, simplesmente porque mal houve fornecimento. “Estamos pagando pelo ar que passa nos canos”, declara a comerciante indignada. Outros moradores declaram ainda que quando a conta não é paga, sofrem a humilhação de ter a empresa na porta de sua casa, cortando um cano vazio. Dona Zeta já solicitou a suspensão do fornecimento, pois sabe que as contas não irão parar de chegar. O problema é generalizado em toda a cidade – não há morador que não se queixe de cobranças irregulares.

Viver em Cristalândia  no período entre junho e novembro é como voltar no tempo, no sentido de atraso de civilização. Não há água para lavar e enxaguar uma louça na torneira, não há água para lavar roupa numa máquina automática, não há água para encher a piscina das crianças nem para lavar a calçada com a mangueira, muito menos o carro. Não há água para tomar banho de chuveiro. Tudo isso num calor escaldante. Em Cristalândia se lava a louça na bacia, a roupa na mão, para utilizar a mesma água várias vezes, que depois é utilizada para ser jogada no vaso sanitário, porque descarga também não há; as crianças não tomam banho na piscina de plástico e a calçada é lavada com o resto da água, se sobrar, da roupa. Em Cristalândia ainda se toma banho de  caneca, na bacia.

Para ter água em suas residências as pessoas pagam a motoqueiros  quantia de R$ 10 reais por 200 litros de água, que não chega a durar um dia, ou ao dono do caminhão pipa, que dia sim outro não,  passa nas ruas, vendendo por R$ 10 reais, 500 litros de água. Alguns moradores perfuram poços em seus quintais, mas além da água ser salobra, está sujeita à contaminação das fossas das residências. Para beber, somente comprando água mineral. E vivem assim por 6 meses, todos os anos.

 

A água que eventualmente chega nas torneiras das casas que estão

localizadas bem próximas à central de distribuição, é escura e suja, quando não com dejetos. A barragem onde a água é captada não recebe nenhum tipo de manutenção – não há nem acesso ao local para que um funcionário da empresa trabalhe lá. O que há é uma trilha feita pela passagem de animais, que calmamente transitam pelo local para beberem a água da barragem, sujando todo o local com estrume, contaminando a pouca água que ainda resta no local – esta que eventualmente chega nas casas. Além do estrume, folhas e galhos em grande quantidade são vistos dentro do riacho.

 

 

Sede da Agespisa
A sede do escritório da Agespisa é decrepta, sem instalações adequadas. Constantemente é invadida por vândalos, já que o muro que caiu nunca foi reerguido. Um buraco feito por ladrões na parede foi fechado pelos próprios funcionários. O computador não funciona. Um dos servidores,  Luiz Nogueira, que trabalha há 32 anos na empresa, afirma que há anos não é feito nenhum investimento. “Há cerca de três anos, na outra gestão deste prefeito, um estudo bastante minucioso foi feito lá onde está localizada a barragem, para que ela fosse ampliada. Sabemos que seria a solução para grande parte do problema de abastecimento de Cristalândia. Mas foram embora e nunca mais se falou no assunto”, declarou Luiz Nogueira, que ainda desabafou: “já vi tempos melhores para trabalhar aqui. Como é que um funcionário se sente estimulado com todo esse descaso?”.

 

O prefeito da cidade, Neemias Lemos, tem feito diversas viagens à Teresina, buscando por soluções efetivas para o problema, porém quando a ação depende do aval da Agência, esbarra na burocracia.

Mas certamente o que causou a revolta na população, que culminou nos protestos desta terça-feira (10), foi o fato de uma equipe da Agespisa ter perfurado dois poços, há duas semanas, totalizando num total de três poços com vazão considerável, e ter ido embora sem dar satisfação nem previsão de quando os mesmos serão ligados à rede de abastecimento. Seu Nizú, Secretário de Governo do município, afirmou: “Sabemos que a água está ali, em boa quantidade, e somos obrigados a ficar sem saber quando é que eles vão ligar esses poços? E a população inteira passando  por essa falta de água? O que nós queremos é que eles nos digam quando é que esse pesadelo vai acabar pro povo de Cristalândia”, declarou.

A manifestação reuniu políticos de diversos partidos, moradores, comerciantes, empresários, estudantes e toda comunidade de Cristalândia. Desde o início, ficou bastante claro que não haveria negociação com relação à liberação do trânsito fechado na BR 135, desde as 7h da manhã,  se um representante da Agespisa não se dirigisse ao local para assumir um compromisso  com a população. A primeira proposta feita por Elton Nogueira, chefe da Agespisa em Cristalândia, rejeitada prontamente e com muitos protestos, foi de que em 40 dias as obras estariam prontas. A população permaneceu no local, embaixo de muito sol.

Por volta das 12h, quando muitos dos motoristas já estavam com os ânimos inflamados por estarem várias horas parados no sol escaldante, foi que um email do Chefe Regional da Agespisa, José Odali, foi lido ao povo ali reunido, informando que no próximo dia, quarta-feira (11), estaria pessoalmente no município, com a proposta de assumir a conclusão das obras em 30 dias. A população presente aceitou liberar o trânsito da BR, sob a condição de conversar pessoalmente com o Chefe Regional da Agência no dia seguinte.

A reunião, que de fato aconteceu no início da noite de 11 de setembro, por volta das 18h30min, foi tumultuada e difícil. O chefe regional da Agespisa, José Odali Soares de Carvalho, por fim assinou um termo de compromisso em que assume a responsabilidade de trazer em até 72h carros pipas para abastecer a população de água, enquanto as obras de ligação dos 3 poços prontos são realizadas, com prazo de 30 dias para finalizar as obras.

Espera-se que de fato a saga dos moradores de Cristalândia esteja chegando ao fim; que a Agespisa cumpra com as responsabilidades assumidas e que a intervenção do Ministério Público,neste caso, não seja necessária.

 


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »