15/10/2013 às 11h22min - Atualizada em 15/10/2013 às 11h22min

Especial dia do Professor: Entrevista com Hamilton Werneck

Referência nacional em educação, professor fala dos desafios em ser educador no Século XXI

Portal Corrente

O professor Hamilton Werneck esteve em Corrente na última sexta-feira (11), onde ministrou uma palestra para aproximadamente 800 profissionais da educação, de diversas cidades do sul do Piauí, durante o II Seminário de Educação, promovido pelo SINTE-PI. Autor de 28 livros e referência nacional na área, o professor abordou o tema “O Profissional da Educação do Século XXI”,, onde destacou o desafio de ser um educador de sucesso em meio às mudanças tecnológicas e inversão de valores. “Antigamente os alunos levavam flores e frutas aos professores. Hoje ninguém faz isso, para não pagar mico”, inicia o professor em sua palestra.

Em entrevista ao Portal Corrente, Hamilton fala um pouco sobre a luta do professor ao deparar-se com a realidade do sistema de ensino brasileiro, a “liquidez” das relações e a grande responsabilidade do educador em meio ao caos social em que vivemos.

Portal Corrente: Diante do quadro da educação brasileira, em que os índices revelam a triste realidade do país, o que o senhor apontaria como causa desta situação?

Hamilton Werneck: Falta de organização, falta de vontade política e há ainda no Brasil, no país todo, a descrença de que a educação seja algo transformador e a percepção de que você não tem condições de dar um salto econômico sem investir na educação. Há muito tempo o Brasil vem importando técnicos, engenheiros e nós não sabemos porque eles não são tão organizados quanto os médicos, então não vem à tona. O que há no Brasil é um descaso com a educação, com a formação do profissional, que é muito fraca. O MEC faz vistas grossas para muitas formações deficitárias; há cursos de pedagogia que duram 3 anos ou 3 anos e meio, há cursos que nem exigem um trabalho de conclusão de curso, então há aqueles acomodados que já buscam um curso que não exija um TCC, pra não ter que estar lendo muito, estudando muito. Eu gostaria de saber que profissional ele vai ser. Leve-se em conta que este profissional está começando agora e não vai se aposentar dentro de 30 anos, e dentro de 30 anos o conhecimento do mundo vai dobrar a cada 70 dias. Como é que esta pessoa vai acompanhar se à esta altura quantos alunos estarão com tablets na mão, celulares; todas estas ferramentas ficarão cada vez mais populares? Hoje o mundo já tem 4 bilhões de celulares, uma grande ferramenta interativa, que pode ser utilizado em sala para fazer uma pesquisa; é um absurdo que se proíba os celulares em sala. O aluno pode levar a aula pra casa. No século XXI, sobretudo, ou você tem uma competência renovada ou você não tem trabalho, ninguém te chama. E hoje nós temos esse problema muito sério,  que é o descaso com a formação do professor.

Portal Corrente: Com tantas limitações que o profissional encontra, principalmente nas escolas da rede pública, o que ele pode fazer para não ficar para trás?

Hamilton Werneck: O professor precisa avaliar sobre quais ferramentas ele tem disponível e como utilizá-la. Nós temos os que tem a ferramenta e não querem usá-las, assim como há muitas escolas que estão com os computadores dentro das caixas, escondidos, e com uma porção de gente dizendo para a diretora: “não desentoca isso aí, porque se abrir vai dar trabalho!”. Estes professores vão ter que aprender a mexer nisso. Em outras situações, as salas estão prontas, mas não tem nenhum técnico da Secretaria de Educação contratado para lidar com aquele material. Tem uma escola que deu o meu nome para a sala de computação, onde todos os computadores estão cobertos com plástico, porque na sala tem goteiras e não tem técnico. Eu disse à diretora: “por que você não enlouquece de vez e procura entre os alunos da escola quais são os que já manejam algo de computação e com uma pessoa responsável pela sala, que talvez não entenda nada do assunto, você começa a trabalhar com estes alunos e quem sabe eles começam a ensinar alguma coisa para os outros colegas”. Não tem técnico, a secretaria não sabe quando vai mandá-los então sugeri que ela resolvesse com os próprios alunos. Agora, isso é “meter a mão na cumbuca”, porque daqui a pouco ela vai ter alunos dominando mais do que quem deveria dominar. Este é um dos problemas.

Portal Corrente: Quais são os outros empecilhos para uma educação de qualidade, eficiente?

Hamilton Werneck: Outro problema muito grave é aquele que chamamos de “descompromisso”. “Eu não ganho pra isso”, “eu não sou pago pra isso”, “eu não vou esquentar a minha cabeça”. E aí eu pergunto, você vai viver do que quando não puder trabalhar?, Vai viver de aposentadoria? Quem é que vai pagar a sua aposentadoria? Não seriam esses alunos que você não preparou para o futuro? Eles serão pouco preparados, vão ganhar pouco e sua aposentadoria vai ser o fim da picada.

Portal Corrente: Que características o profissional precisa ter?

Hamilton Werneck: Características que em qualquer lugar você possa praticá-las, com ou sem ferramentas. Como diz Sigmund Dalmut, um autor polonês que trabalha na Inglaterra e tem mais de 20 livros escritos, “o mundo está líquido, as relações estão líquidas”. Antigamente, os alunos entravam na sala e tinham a certeza de que até o final do ano a “dona Maria do Carmo, que mora aqui na vila, vai continuar a dar aula pra gente”. Hoje ela não fica dois meses, vai embora, ou seja, a relação é líquida; ela não sabe o nome do aluno, o aluno depois esquece dela. As amizades estão líquidas, as amizades virtuais são marcadamente líquidas, o amor está virando líquido, a vida está sendo uma vida para consumo, então você vira mercadoria. Ninguém tem tempo para os outros e você começa a perceber que não precisa mais ter compromisso com quem quer que seja. Se antigamente as pessoas diziam: “ta namorando, noivou, casou”, então queria dizer que antigamente as pessoas não tinham outros compromissos extra-conjugais. Hoje o que mais caracteriza o mundo afetivo é o verbo ficar, porque não tem compromisso algum. Se vai numa festa, beija 40 pessoas na boca e não sabe o nome de ninguém. No dia seguinte, ainda fica triste porque ninguém ligou. Como vão te ligar se ninguém sabe teu telefone? Então este é um dos males do mundo. Se por um lado, você pensa que supre toda a carência afetiva com consumo, e não supre, está sempre precisando de alguma coisa, mas por outro lado não mantém nenhuma solidez. É caso de perguntar: “os seus amigos mais antigos são seus amigos há quantos anos? Quantos são?” E temos cada vez menos.

Portal Corrente: E o profissional da educação tem alguma responsabilidade de diminuir essa “liquidez”?

Hamilton Werneck: Mas é claro que sim, porque ele precisa ter uma relação sólida com o aluno. Ele não pode ter uma relação somente virtual. Aliás, ele pode ter também uma relação virtual, se ele possui email, por exemplo, e passa conteúdos e mensagens por email, ele também está solidificando. Você pode mandar um texto, uma mensagem, um desafio, que os estudantes leiam como complemento da aula e isso custa muito pouco tempo para o professor. A medida que ele vai reunindo textos ele vai mandando. Agora, este profissional tem que estar disposto e preparado para isto. 


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