23/09/2017 às 16h51min - Atualizada em 23/09/2017 às 16h51min

Carta do sertanejo

Por Gabriela Aguiar

Portal Corrente

            Nasci e fui criado numa terra de chão batido, onde a força de vontade e a disposição para trabalhar eram o negócio de mais valia. Um lugar onde a maior vaidade estava em contar a nossa idade e as superações vividas.

            As minhas marcas estão esculpidas e a mostra para quem quiser ver no meu rosto cansado. Estão também nos calos das minhas mãos que trabalharam arduamente durante anos debaixo do sol quente.

            Eu rezava todos os dias vendo a seca que devastava o meu interior. Mas eu não rezava pra sair dali, era o meu lugar e onde eu queria ficar. Rezava para que chovesse, para que a colheita fosse boa e para que o gado não morresse de sede.

            A minha família inteira estava ali, assim como os amigos que fiz durante a minha existência. A gente passava por dificuldades, em alguns dias era quase impossível segurar o choro por não poder dar uma vida melhor aos meus.

            Mas eu não culpava ninguém não. Sabia que tinha gente roubando a gente, tomando a nossa dignidade e nos deixando na total pobreza. Só que para mim, a maior miséria é a falta de caráter e de fé. E isso nunca me foi escasso.

            Por isso eu trabalhava duro pra manter todo mundo de pé e ensinar a ser forte, sem depender de ninguém. Porque o bom senso de quem podia ajudar a gente estava como a chuva, caía raramente e ia embora assim como veio.

            Carreguei sempre um sorriso no rosto só pra ensinar pra toda essa gente que a simplicidade vale mais do que qualquer quantia de dinheiro. A simplicidade traz sabedoria pra aprender a lidar com as nossas dificuldades.

            E agora, estou partindo assim como vim ao mundo. Sem nenhum luxo ou conforto. Vou ser enterrado com uma pequena cruz de madeira no quintal da casa onde morava. Mas tenho certeza que vou levar comigo muito mais coisas do que muita gente. Finalmente o descanso...

 

            Com carinho,

 

            João.

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