27/09/2021 às 09h41min - Atualizada em 27/09/2021 às 09h41min

Dom Falcão, o ex-arcebispo de Teresina que recebeu o Papa

Por Zózimo Tavares

zozimotavares.com
Dom José Freire Falcão/Imagem: Carlos Vieira/CB/D.A Press
O ex-arcebispo de Teresina Dom José Freire Falcão, arcebispo emérito de Brasília, cardeal dom José Freire Falcão, morreu, na noite desse domingo (27), vítima de complicações da covid-19. O religioso tinha 95 anos e estava internado em um hospital particular da capital há dez dias.
 Às 15h, haverá missa de corpo presente na Catedral, restrita ao clero e a autoridades. O sepultamento ocorrerá após a missa, na cripta da Catedral.

O jornalista Zózimo Tavares publicou um artigo onde narra um dos episódios mais emocionantes da vida do religioso, a recepção ao Papa João Paulo II no Piauí, no ano de 1980.

Confira:


 

Dom Falcão, o arcebispo que recebeu o Papa

Por Zózimo Tavares
 

Dom Falcão protagonizou uma das mais belas, emocionantes e inesquecíveis páginas da história da Igreja Católica no Piauí: foi ele quem recebeu em Teresina o Papa Joao Paulo II, na primeira visita dele ao Brasil.

Era 8 de julho de 1980. Em uma manhã ensolarada, de muitos ventos na Chapada do Corisco, o Papa desembarcou no aeroporto local às 10h30, sendo recebido pelas autoridades, à frente o governador Lucídio Portella e o arcebispo de Teresina, dom José Freire Falcão.

A visita do Papa

Uma multidão estimada em 100 mil pessoas, muitas vindas de outros Estados, principalmente do Maranhão e do Ceará, aguardava o papa na área externa do aeroporto, especialmente preparada para o evento. 

O Piauí vinha se organizando há muito tempo para aquele momento de grande euforia entre os católicos.

A vinda do papa fora previamente agendada em 1979, numa articulação do então ministro da Justiça, o senador piauiense Petrônio Portella, e do embaixador do Brasil no Vaticano, o também piauiense Espedito Resende.

No Piauí, o arcebispo de Teresina acompanhava diariamente todos os passos da organização da visita.

Nas proximidades da vinda do papa, ele ia com frequência ao aeroporto para checar os detalhes da recepção.

O beijo, o chapéu e a faixa

Três fatos chamaram a atenção do público na passagem de João Paulo II por Teresina:

– O beijo no chão – Na descida do avião, o Papa beijou o solo piauiense, como sempre fazia aonde chegava.

– O chapéu de couro – O presente que ele ganhou dos piauienses, um chapéu de vaqueiro, não coube em sua cabeça. O Papa brincou: “Cabeça grande, não caber chapéu”. Mas, não era. Na verdade, o chapéu é que era pequeno.  

3 – A faixa – Do meio da multidão, uma gigantesca faixa subiu diante dos olhos do papa, com os dizeres: “Santo Padre, o Povo Passa Fome!” 

Ao final do Pai Nosso, João Paulo II leu a faixa, com uma pequena adaptação: “Pai Nosso, o povo passa fome!”

No Brasil ainda vigorava o regime militar e a faixa seria apreendida instantes depois pelos agentes de segurança.

No dia seguinte, porém, estaria estampada nos principais jornais do mundo inteiro, como uma denúncia sobre as injustiças sociais que afligiam o Nordeste brasileiro.

Prisão

A faixa-denúncia foi preparada por militantes da Pastoral da Juventude.

Os que seguravam a faixa foram presos, entre eles o coordenador da Pastoral, Edmilson Araújo, hoje professor em Esperantina.

A morte

Dom José Freire Falcão faleceu em Brasília por complicações decorrentes da Covid-19.

O cardeal foi internado em 17 de setembro no Hospital Santa Lúcia, Asa Sul

Na madrugada do dia 24 de setembro, Dom Falcão teve uma piora em seu quadro respiratório e renal, sendo necessária uma intubação.

O quadro se agravou e ele faleceu na noite de ontem.

No Piauí

Dom Falcão foi o terceiro arcebispo de Teresina. Era cearense de Limoeiro do Norte.

Ele veio para o Piauí em 1971, em uma missão pastoral difícil, a de suceder Dom Avelar Brandão Vilela, nomeado arcebispo de Salvador e cardeal-primaz do Brasil.

Dom Avelar era um marco na história da Igreja no Piauí, pela sua vigorosa e inovadora ação pastoral e pelo seu carisma pessoal.

Há quem, aqui acolá, procure fazer reparos ao trabalho de Dom Falcão como arcebispo de Teresina.

Mas não há o mínimo fundamento nisso. A ação dele foi marcante. A questão é que ele sucedeu um mito.

Em seu estilo discreto, Dom Falcão deu continuidade à obra do antecessor e todas as suas ações foram mantidas e até ampliadas.

Se não era um bispo mais ousado politicamente, também não se omitia quando uma atitude sua se fazia necessária.

Foi por interferência dele, por exemplo, que foram soltos os jovens presos no episódio da faixa, na visita do Papa a Teresina.

O trabalho de Dom Falcão no Piauí foi tão grandioso que, em 1984, em reconhecimento à sua obra pastoral e à sua postura equilibrada, ele foi nomeado arcebispo de Brasília pelo Papa João Paulo II.

Exerceu a função por 20 anos, até se aposentar, como cardeal.

A lembrança que fica

Tive convivência profissional com Dom Falcão, que matinha um programa radiofônico na Pioneira e escrevia artigos com regularidade para a imprensa local. Seu hobby era resolver problemas de matemática.  

Sempre se mostrou disponível quando o procurei para entrevistas.

Ele será lembrado pela comunidade católica piauiense como o arcebispo que deu continuidade à obra de Dom Avelar e que recebeu o Papa.

Por mim, pessoalmente, será lembrado com eterna gratidão, pelo apoio que me deu em minha juventude, em um momento decisivo de minha formação moral.

Como foi

Já contei essa história: em 1980, quando eu tinha 18 anos, nosso grupo de jovens editava um jornalzinho mimeografado em Água Branca.

O prefeito entendeu de baixar um decreto fechando o jornalzinho e foi o maior rebuliço na cidade, com um crescente clima de temor.

O vigário de Água Branca, padre João Batista Gougeon, um francês, nos apoiou e passou a sofrer represálias.

O vigário-geral da Arquidiocese de Teresina, monsenhor Mateus Rufino, foi a Água Branca examinar a situação in loco.

Em 14 de agosto, época dos festejos de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o monsenhor Mateus visitou nosso grupo de jovens.

Fez perguntas e nos ouviu. Ao final da reunião, anunciou a presença de Dom José Freire Falcão em Água Branca, para presidir a missa de encerramento dos festejos.

E comunicou que o arcebispo de Teresina também visitaria nosso grupo de jovens, a convite dele. E assim foi feito.

Na sede do Clube de Jovens Amigos de Cristo, Dom Falcão, de fala mansa, jeito aristocrático, também conheceu de perto o nosso movimento.

Ele declarou que estava muito satisfeito com a nossa iniciativa, e nos estimulou a continuá-la.

Também nos alertou que deveríamos estar preparados para superar possíveis obstáculos que surgem sempre em qualquer agremiação, vindos de toda origem.

E daí para frente não nos faltou coragem para seguir a caminhada!

Que Dom Falcão descanse em paz na morada eterna!

 


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