07/11/2020 às 14h56min - Atualizada em 07/11/2020 às 14h56min

População de Sebastião Barros reage à reportagem fictícia que mostra um município que não existe

Viviane Setragni
Portal Corrente


Uma reportagem fictícia veiculada em um conhecido canal de televisão do Piauí causou indignação à população do município de Sebastião Barros, localizado no Extremo-Sul do estado. Na matéria, a cidade é mostrada como um polo de desenvolvimento rural, repleta de investimentos pelo poder público municipal, com alto índice de desenvolvimento, gestão educacional exemplar, oportunidades de esporte e lazer para as crianças, saúde de primeiro mundo e estrutura de dar inveja. Sem falar nas oportunidades de emprego, que segundo a reportagem, sobram no município, levando prosperidade a todos os lares da cidade.
 
Mas a realidade, que é vivida todos os dias pela população, é muito diferente. Os moradores da cidade, que assistiram atônitos à reportagem, testemunham há 4 anos a uma gestão inerte, que não fez investimentos, não trouxe obras estruturantes, não fez qualquer planejamento na área agrícola e não manifestou preocupação com o bem estar da população.
 
É o caso de dona Marluce Soares do Nascimento, moradora do bairro Gentil, também conhecido como “Casinhas”. Mãe de uma criança especial, ela relatou a situação em que vive: “Aqui nas Casinhas a gente precisa de muitas coisas, principalmente de água, energia e a coleta de lixo. Nesse gestor, a coleta de lixo passou uma só vez, alguns dias atrás, já na época da política, depois não passou mais. Disseram que ia passar sempre, mas nunca passou. A gente queima o lixo, porque não sabe o que fazer. A água, o nosso poço tem, mas não tem energia tem mais de uma semana, então a bomba não funciona, o caminhão pipa está vindo trazer água uma vez por semana. A gente só tem energia nas casas porque fizeram uma gambiarra, depois que deu um problema na canela, que é responsabilidade da prefeitura mas ninguém veio olhar, ficamos desse jeito, sem água e sem energia”.
   
A dona de casa lamenta a situação de abandono do bairro, totalmente constituído de casas populares e que tem um grande número de crianças. “Aqui era pra ser um bairro mais organizado, limpo, com coleta de lixo, mas o gestor abandonou nós. Até agora, na época da política, que ele deveria passar aqui pra falar com o povo, falar com as pessoas, ele nunca veio”, conta ela. Marluce fala ainda das suas expectativas para o futuro. “Nós precisamos de um gestor que dê uma realidade melhor pra Sebastião Barros e pras Casinhas, aqui a gente tem tantas crianças, tantos jovens que precisam de um emprego, de uma escola melhor, e não tá tendo, a gente queria alguém que olhasse pra nós”, declara.
 
A falta de oportunidade também é uma situação que bate às portas dos moradores. É o caso dos jovens Armênio Fernandes, de 21 anos de idade, e Iron Carlos Fernandes, de 20 anos de idade, ambos formados no Ensino Médio. Nenhum dos dois nunca trabalhou na vida, nem mesmo em trabalhos informais. "Não tem trabalho aqui em Sebastião Barros, a gente não tem o que fazer", afirma Iron. Armênio confirmou que gosta muito do município e que gostaria de ter uma oportunidade, para não ter que ir embora. "Eu gosto daqui, porque aqui estão minhas raízes, minha família, todos que eu conheço. Mas se não tiver trabalho, vou ter que ir morar em outra cidade, pra arranjar um sustento", declarou. Apesar de ter em seu território grandes propriedades rurais produtoras de gado, a situação não se reverte em oportunidade para os moradores da cidade, que se vêm obrigados a procurar por emprego em outros municípios.

Outra moradora consultada, secretária de um escritório de advocacia, Neide, lamenta a situação do município e faz um depoimento revelador sobre a experiência própria vivida na área da saúde. “Eu tenho vergonha de dizer que somos governados por um gestor que não tem nada a ver com Sebastião Barros, queria muito que as pessoas pensassem nisso. Eu mesma vivi uma experiência muito desagradável, eu e minha família tivemos que pagar frete para que um carro da saúde levasse um paciente que estava à beira da morte para ser deslocado para outras cidades, porque o próprio carro da prefeitura não estava disponível”.

   
Neide também fez questão de falar de outros problemas que os moradores da cidade enfrentam, como a constante falta de água e a falta de limpeza urbana. “Estamos tendo água nesses dias porque está chovendo, porque a falta de água aqui é sempre, nunca resolve. Meu vizinho eu não enxergo, porque o mato tomou conta da rua. É muito triste viver em uma cidade assim!”, comentou.
 
Já dona Marina, moradora da rua Constantino Pereira, relata os problemas que enfrenta para sair à noite de casa, já que não há iluminação pública, além da falta constante de água. “Aqui onde eu moro, a gente precisa sair com lanterna ou com o celular à noite, porque à noite não tem iluminação, é muito escuro. A gente também tem um problema muito sério com a água que nunca foi resolvido. No começo dessa gestão foram abertas valas nas ruas para colocar os canos de água e ficaram muito tempo abertas, correndo o risco até de acontecer um acidente e alguém morrer. Os canos foram colocados e a gente mesmo teve que fechar essas valas, porque foram abandonadas pela prefeitura. E até hoje estamos esperando essa água, a gente ainda toma água sem tratamento que vem do estádio”.
 
Ela fala ainda que, como agricultora, nunca recebeu qualquer tipo de assistência no campo. “A gente mora na cidade mas vive da roça. Até hoje nunca teve uma máquina pra ajudar”, desabafa.
   
Além dos depoimentos da população, os dados também demonstram a verdadeira situação do município. Sem fonte de renda, mais de 80% da população é beneficiária do Bolsa Família, um dos maiores índices do país, que tem a média nacional de 20% de beneficiários.
 
O Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB), tão festejado na reportagem, também tem uma realidade diferente: com a meta de 5,2 para os anos iniciais do Ensino Fundamental em 2019, alcançou o resultado de 4,5 - 0,7 pontos a menos que o objetivo. O crescimento, em relação ao resultado anterior, foi de apenas 0,2 pontos. Já nos anos finais do Ensino Fundamental, da meta de 4,2, alcançou o resultado de 3,7 – 0,5 pontos a menos.

Quanto aos times de esportes citados na reportagem, ninguém nunca ouviu falar no município. Também não há qualquer tipo de projeto social envolvendo a comunidade, nem mesmo de ONGs externas.

   
A informação divulgada na reportagem do Bancada Piauí, de que o município está entre os 10 maiores produtores de grãos do Piauí, não há qualquer fonte oficial que confirme. 

Já sobre o excelente atendimento em saúde, apenas os serviços básicos são ofertados em dois postos de saúde, no Centro e na localidade Pitombas. Para a realização de qualquer procedimento, o paciente precisa ser deslocado para os municípios vizinhos.

Apesar da situação de abandono, o atual prefeito, Onélio Carvalho (PP), recebeu a manifestação pública de apoio do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, com quem possui proximidade pessoal e que é proprietário de uma grande fazenda no município. A campanha eleitoral conta com considerável suporte financeiro e estrutural, o que leva grande parte da população a questionar quais são as reais intenção do grupo político.

Enquanto as oportunidades na "próspera" cidade mostrada na reportagem não chegam, o que resta aos moradores da cidade é esperar, parte lutando com os poucos recursos que possui, e uma grande parcela nos bares da cidade, que começam a sua movimentação cedo do dia, já que não há opções de trabalho, lazer ou cultura. 

















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