Os moradores do município de Curimatá foram surpreendidos nas últimas semanas com rumores sobre a possibilidade de desmatamento da Serra do Gado Bravo, santuário ecológico que abriga um complexo de nascentes denominadas Olho D’água do Sertão, responsáveis por cerca de 30% do abastecimento d’água, incluindo áreas da zona urbana e da zona rural. Protegido pelos altos paredões que servem de cartão postal para a cidade, o local abriga em sua planície a rara transição de três biomas – cerrado, caatinga e mata atlântica, o que torna a Serra do Gado Bravo um lugar único.
A constituição geográfica chama a atenção – grandes paredões de pedra que se erguem em meio ao semiárido e que abrigam, em seu topo, uma planície isolada, regular e com altitude ideal para o plantio de soja, condição que há muito tempo chama a atenção de grileiros, corretores de imóveis e toda uma classe de negociadores intermediários. Os lucros convidativos vão desde a negociação da terra, à produção de carvão vegetal, que tem o nome técnico e elegante de Plano de Manejo Florestal Sustentável, e, ao final, a produção agrícola, dadas as condições favoráveis na região - altitude e clima.
Em 2014 a justiça suspendeu o desmatamento na Serra do Gado Bravo, a pedido do Ministério Público (Imagem: Cidade Verde)
Mas não é a primeira vez que o local esteve na mira do desmatamento. No ano de 2014, o juiz do município de Curimatá, Edilson Chaves de Freitas concedeu Ação Cautelar suspendendo o desmatamento na Serra do Gado Bravo para instalação de um projeto de produção de carvão da empresa Agropecuária Terra e Floresta do Brasil, que se dizia proprietária de mais 20 mil hectares na região.
A suspensão atendeu solicitação do Ministério Público, através do Promotor José William Pereira Luz, responsável pelo Inquérito Civil que apurava a legalidade do empreendimento. Na ocasião, uma subida para o platô chegou a ser construída, devastando uma grande quantidade de vegetação e derrubando imensas pedras. Desde a decisão judicial, o local ficou desativado, mas segundo moradores do entorno, a subida está em boas condições, o que aumentaria o risco de uma ação rápida e estratégica para fazer o desmatamento.
Há poucos dias, imagens feitas pelo proprietário de uma terra que dá acesso à subida da serra denunciam que o empreendimento estaria sendo feito de forma ilegal. Sem acesso ao local, uma nova estrada estaria sendo aberta sem autorização de alguns dos proprietários das terras próximas.
PREOCUPAÇÃO
Aflitos com as informações divulgadas de boca em boca sobre o reinício do desmatamento, a população de Curimatá teme a destruição do local. Além da importância hídrica e biológica da Serra do Gado Bravo, as comunidades de Curimatá, e também do município de Parnaguá, nutrem um sentimento de patrimônio cultural/ambiental de valor inestimável. “A nossa água vem de lá, não podemos permitir que matem os olhos d´água e instale carvoarias em tão rico patrimônio”, registra o professor e biólogo Ronaldo Carvalho.
HISTÓRIA
A própria história da cidade está intimamente relacionada com a Serra. No local são encontradas inscrições rupestres, valiosos registros que remontam aos ancestrais primitivos dos povos da região.
Sabe-se ainda que, antes da chegada dos portugueses, já existiam moradores, indígenas que naturalmente foram expulsos ou mortos com o início da colonização.
Em meados de 1717, chegou na região o primeiro colonizador, Damásio Mourão, que recebeu a propriedade da terra em Portugal, a data Gety, e que fez uma casa na localidade Serra. Mais tarde teria construído outra residência próxima ao Olho D'água do Sertão, na Serra do Gado Bravo, pela abundância de água.
Com passar dos anos e com o fim do império, o olho d'água se tornou uma fonte onde os moradores da região, em tempo de seca vinham, montar suas cabanas de palhas de palmeiras.
Já em tempos mais recentes, meados dos anos 70, a Agespisa fez a captação e encanamento da água para a cidade, estrutura que permanece até os dias atuais.
COMUNIDADE
Preocupado com os novos boatos de desmatamento da serra, o professor Ronaldo Carvalho levou uma equipe de estudantes para conhecer o local, onde também desenvolve uma pesquisa que procura comprovar a transição dos biomas. “Todo mundo na cidade está preocupado e os alunos se manifestaram para conhecer o Olho D'água do Sertão. Chegando lá, ficaram todos impressionados com a beleza e a grande quantidade de nascentes. "Apenas lamentamos o abandono do local onde é feita a captação da água, que está sem proteção, cheia de sedimentos e suscetível aos animais que vão lá para matar a sede. Mas chegamos apenas nas primeiras nascentes, quanto mais se adentra na mata mais incrível é o local”, explica o professor.
Área de Proteção Ambiental
No ano de 1995, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra Gado Bravo, por meio do Decreto Municipal no 4.929 de 20/03/1995, a única municipal do estado do Piauí. Com 8.171 hectares, a APA nunca teve a sua área oficialmente contabilizada e foi deixada de lado desde então, apesar da lei municipal nº 498/95 que a criou. Entretanto, a APA consta nos registros do IBAMA, Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (Cepro) e outros órgãos oficiais.
A população de Curimatá, de forma unânime, aguarda há pelo menos 30 anos pelo apoio de autoridades estaduais, entre deputados federais ou estaduais, alguns deles bem votados na região, para transformar o local em uma Unidade de Conservação, inviabilizando, definitivamente, qualquer tentativa de destruição do local.
Secretaria Municipal de Meio Ambiente
O secretário municipal de Meio Ambiente de Curimatá, João Miranda, informou à redação do Portal Corrente que o município desconhece qualquer empreendimento que esteja sendo feito na Serra do Gado Bravo. “Não temos conhecimento de que haja pedido de licença de qualquer atividade para a área. Eu sugiro àqueles que tenham conhecimento de alguma área em desmatamento que denunciem imediatamente à SEMARH, eles têm a competência para a fiscalização”, pontuou.
SEMARH
O Portal Corrente entrou em contato com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (SEMARH), a qual confirmou que, até o momento, não há nenhuma autorização para desmatamento da área. Entretanto, a Secretaria não confirmou se há pedido de Licença Prévia para alguma atividade no local.
MINISTÉRIO PÚBLICO
A Promotora de Justiça Gilvânia Alves Viana, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Corrente, falou ao Portal Corrente sobre os meios mais adequados para o registro de denúncias.
“Os meios mais adequados para o registro de denúncias são a Delegacia Especializada de Meio Ambiente, a Linha Verde, do Ministério Público Estadual, e a própria SEMARH. Como se trata de um bem de uso comum do povo, qualquer pessoa pode fazer denúncia de crime ambiental que tenha conhecimento, especialmente nos órgãos indicados. A denúncia pode ser feita presencialmente ou por meio da internet, com identificação ou de forma anônima. É sempre bom anexar fotografias, videos, e indicar o endereço de onde está ocorrendo o fato” explica.
A promotora acrescenta ainda a importância da participação da comunidade nas questões ambientais. “Um meio ambiente equilibrado é direito de todos e essencial para uma vida saudável. No entanto, ao longo dos anos, o meio ambiente vem sofrendo com a degradação ambiental, a perda da fauna e flora, a extinção de animais e, como consequência, um aumento dos efeitos climáticos. Para reduzirmos os impactos causados ao meio ambiente, além de agir com consciência, precisamos agir em conjunto: Poder Público e Sociedade Civil”, disse.
Confira os meios de denúncia disponíveis aos cidadãos:
LINHA VERDE (clique aqui) - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ
DELEGACIA DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE – DPMA
DELEGADOS: Willame Moraes Costa (titular)/ Wilon Gomes de Araújo
EMAIL: [email protected]
CIRCUNSCRIÇÃO => Abrange todo o Estado do Piauí.
SEMARH (formulário aqui)
Ouvidoria Ecológica: (86) 99445-8195
Fiscalização: (86) 99464-1242
Disque Ouvidoria: 162
Plataforma Fala Br: https://falabr.cgu.gov.br/ (link de acesso)