13/03/2024 às 11h29min - Atualizada em 13/03/2024 às 11h29min

Lair Guerra, piauiense indicada ao Prêmio Nobel da Paz, morre aos 80 anos em Brasília

Portal Corrente


Faleceu na manhã desta quarta-feira (13) em Brasília, aos 80 anos de idade, a piauiense Lair Guerra Macedo Rodrigues, referência mundial na luta pelos direitos da pessoa com HIV. Ela estava internada na UTI desde janeiro deste ano, quando foi diagnosticada com pneumonia.

 

Natural de Curimatá e irmã da médica e ex-prefeita Estelita Guerra (in memorian), Lair Guerra nasceu em 28 de março de 1943 no povoado Gety, antes pertencente ao município de Parnaguá, hoje Curimatá (a 775 km de Teresina). Graduou-se na Universidade Federal de Pernambuco, casou-se em 1962 e em 1977 começou a lecionar Microbiologia na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Também foi professora da UnB (Universidade de Brasília) e fez pós-graduação no Centro de Controle de Doenças (CDC)  em Harvard, nos Estados Unidos. 

 

Ao obter bolsa da Organização Pan-americana de Saúde, foi morar em Atlanta, nos Estados Unidos, onde atuou como pesquisadora visitante na área de doenças sexualmente transmissíveis no Center for Disease Control (Centro de Controle de Doenças). Paralelamente, cursou o mestrado em Microbiologia na Georgia State University, enquanto acompanhava as primeiras pesquisas sobre o vírus HIV.

 

Ao retornar ao Brasil dirigiu o Programa de Saúde Materno-Infantil do Ministério da Saúde. Devido à sua experiência, foi nomeada para coordenar o programa brasileiro de controle DST/Aids, que virou um exemplo para todo o mundo.
 

 

Percorreu o Brasil e o exterior intensificando campanhas de esclarecimento e popularizando palavras como “preservativo” e “combate ao HIV”. Mobilizou o país para as fiscalizações dos bancos de sangue e se aliou às organizações não-governamentais para adotar políticas públicas de enfrentamento à doença e pelo direito dos portadores. 

 

Sua atuação foi fundamental para a universalização dos medicamentos retrovirais, o popular coquetel, contra a aids. Estabeleceu centros de referência para o tratamento de pacientes, incentivou a criação e manutenção de organizações não-governamentais e representou o Brasil em reuniões da Assembleia Mundial de Saúde, em Genebra, tendo comandado o programa por 10 anos. 

 

Mobilizou o país e reduziu os casos em uma devastadora epidemia que em 2005 tinha mais de 360 mil casos notificados de Aids.
 

 

ACIDENTE

 

Em agosto de 1996, quando estava a caminho de um congresso brasileiro de infectologia, o táxi que levava a piauiense teve uma colisão com um ônibus. No acidente, ela teve traumatismo e passou dois meses entre a vida e a morte. Recuperou-se lentamente, mas não pôde reassumir as suas funções devido às sequelas.

 

Mãe de cinco filhos, Lair Guerra é irmã de Carlyle Guerra de Macedo, ex-diretor e Diretor Emérito da Organização Pan-Americana de Saúde e de Alvimar, clínico de Brasília. Ela também é irmã da médica e  ex-prefeita de Curimatá, Estelita Guerra, que morreu em acidente de trânsito em 2012. Dos 11 irmãos, cinco deles estão vivos. 

 

Prêmio Nobel

 

Em reconhecimento ao trabalho de Lair Guerra, a Assembleia Geral da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, reunida durante o seu XL Congresso em Aracaju, indicou o seu nome para o Prêmio Nobel da Paz em 9 de março de 2004.

 


O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas publicou uma extensa nota de pesar lamentando a morte e destacando o significativo trabalho prestado pela biomédica: 
 

É com profunda tristeza que tomamos conhecimento do falecimento da Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues, a primeira coordenadora do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

Formada em 1973 pela Universidade Federal de Pernambuco em Ciências Biomédicas, Dra. Lair concluiu o seu Doutorado em 1983 na Emory University (EUA) tendo como tema as variáveis clínicas e laboratoriais que afetam o isolamento da Chlamydia Trachomatis; e o Mestrado em 1981, na Universidade de Georgia (EUA), tendo também como tema o isolamento da Chlamydia Trachomatis.

De personalidade marcante e determinada, ergueu no auge da pandemia de aids, em meados da década de 80 – quando não havia remédios, nem tratamento -, os pilares do que viria a ser considerado anos mais tarde o melhor programa de aids do mundo.

Ela enfrentou muita resistência para estabelecer as bases do programa, pela falta de recursos, mas, também pelo estigma e preconceitos em torno da aids que aumentava ainda mais as dificuldades e os desafios no atendimento dos pacientes. Ela corajosamente enfrentou todos esses desafios sustentando o conceito e o lema que saúde é para todos.

Numa entrevista, Dra. Lair afirmou que no início da sua gestão o “Programa de Aids cabia numa caixa de sapatos”. De fato, ela iniciou com uma equipe pequena, mas sua determinação e capacidade de agregar e atrair especialistas altamente qualificados, não tardou em tornar o programa referência e grande o suficiente para ocupar toda a sobreloja da sede do Ministério da Saúde em Brasília, tal o reconhecimento da relevância do seu trabalho como gestora e da excelência técnica da equipe que a assessorava.

Sua gestão, a frente do programa, se estendeu entre 1986 e 1996. Neste período, ela esteve afastada apenas uma vez do comando do Programa, entre 1990 e 1992, durante o governo Collor, retornando em seguida no governo Itamar Franco, a convite direto do então ministro da Saúde, Adib Jatene. Ela se afastou definitivamente das sus funções em decorrência de um grave acidente automobilístico.

Foi na sua gestão que o SUS iniciou a distribuição dos primeiros medicamentos antirretrovirais que haviam surgido no final dos anos 80, como o AZT, e no início dos anos 90 a didanosina e a zalcitabina.

No campo da prevenção, ela estabeleceu corajosamente a redução de danos – como a promoção da troca de seringas entre os usuários de drogas injetáveis -; e a distribuição de preservativos para a população em geral, como uma política nacional.

A resposta brasileira ao HIV deve muito a sua visão e a sua atuação como gestora que sempre se pautou pelo pioneirismo. Em julho de 1996, quando a comunidade científica internacional anunciava o tratamento revolucionário para aids, formado com a combinação de três classes diferentes de medicamento, apelidado de “coquetel”, o Programa de Aids em novembro daquele mesmo ano iniciava a distribuição gratuita e universal desse novo tratamento para os pacientes no SUS. Essa decisão de distribuir atraiu muitas críticas da comunidade internacional que julgava que o Brasil não seria capaz de manter a distribuição. Lair já estava afastada das suas funções, mas o seu legado serviu de exemplo para os seus sucessores manterem e ampliarem essa política, o que revolucionou a resposta brasileira e influenciou a resposta global ao HIV.

É inegável que a marca deixada pela Dra. Lair nos anos em que esteve à frente do Programa, inspirou e influenciou gerações de profissionais de saúde, gestores, técnicos, ativistas e toda a comunidade dos trabalhadores, trabalhadoras e militantes do campo da saúde pública que, mesmo sem saber, dão continuidade ao seu legado e reforçam os alicerces do SUS.

Um dos diferenciais na sua gestão, foi que Lair entendeu que a resposta aos desafios da aids não poderia ser construída isoladamente com uma visão exclusivamente biomédica. Ela entendeu que as muitas dimensões da doença, exigiam um esforço multidisciplinar de saberes e práticas com a participação da sociedade civil organizada e, sobretudo, das vozes de homens e mulheres silenciados pelo preconceito e pelo estigma que a doença traz. Graças as bases fundadas por ela, o Programa de Aids serviu de modelo para outros países e influenciou outros programas do próprio Ministério da Saúde e de outras pastas.

O dia de hoje é, portanto, de luto e tristeza, mas também um dia para relembrar que este país possui homens e mulheres valorosos que pelo seu caráter e atuação constroem pontes para o progresso, fazem história e tornam-se inspiração para gerações. Dra. Lair, certamente, é um desses inequívocos exemplos.

Que Dra. Lair Guerra encontre a paz e o repouso mais que merecidos. Nós que tivemos a honra e o privilégio de conhecer o seu trabalho, seguimos tendo o seu legado como inspiração na defesa de um SUS cada vez mais forte, orientado pela Pesquisa e pela Ciência, tendo por alicerce o acesso universal, gratuito e integral à saúde para todos e todas.

A Comunidade do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) estende suas condolências e solidariedade a todos os familiares e amigos neste momento de dor e saudade.

 
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